sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A Fábrica de Registros de Ocorrências

Ainda falando sobre o tempo desperdiçado por nós, os poucos policiais civis e militares deste estado, discorro agora sobre os Registros de Ocorrência feitos na hora da raiva. Já disse que milhares de ROs poderiam deixar de ser feitos, como os que o são para tirar segundas vias de documentos e os arquivados ( em linguagem mais simples ) nos Fóruns porque as vítimas não sustentam as queixas, que como dito, são muitas e tomam a maior parte do nosso tempo. Advém que os crimes mais graves ficam para segundo plano.
Então existem vários tipos de Registros de Ocorrência:
O RO Social -apesar de notarmos que a "vítima" está mentindo acabamos por atendê-la, para que ela não pague para retirar documentos;

O RO-Vingativo - quando duas ou mais pessoas discutem e, como nestes casos ninguém profere elogios, ocorrem xingamentos. Coisa boba. Aquele que se sentiu ofendido vai à DP para exigir que o "agressor" se retrate, enfim desejando processá-lo. Não adianta tentar dissuadi-los. Eles evocam o Código Penal, o Civil, o Militar, a Constituição... Três dias depois retornam para tirar a queixa;

O RO-Tava-Duro-Vendi-Meu-Celular/Nextel-Mas-Tenho-Seguro-E-Preciso-De-Um-RO-Provando-Que-Fui-Roubado - vou publicar um post sobre este assunto. Você já viu como virou moda usar tais aparelhos?. É como o celular igual a celulite que " qualquer bundão tem ". Muitas, muitas pessoas fazem isso pois são orientadas por alguns atendentes das operadoras a apresentarem um BO (RO) e assim ganharem um outro aparelho. É mais ou menos assim: " Pena que o sr. tenha perdido seu aparelho porque o seu seguro garante outro em caso de roubo ou furto. Em apresentando cópia de um BO ( Boletim de Ocorrência, em outros estados ) poderemos estar lhe enviando um outro ". E dizem que isso não é induzir a alguém.

O RO-Assombração - esse geralmente é feito por mulheres que para terem o namorado, o marido, o noivo de volta, prestam queixa por qualquer motivo ( e cada um mais absurdo que o outro ) e de posse do RO, vai até ele mostrando que o levará às barras da justiça. Em 80% dos casos o " autor " comparece na delegacia acompanhado dela, de mãos dadas e aos beijos. É quando a vítima presta novo depoimento retirando a queixa pois " só queria dar um susto nele ";

O RO-Já-Que-Ele-Deu-Queixa-De-Mim-Vou-Dar-Uma-Contra-Ele - quando ocorre duplicidade de ocorrências. Fulano vai dar queixa de ciclano que dias depois presta a mesma queixa contra fulano. Dois policiais investigando o mesmo fato. É isso mesmo: investigando! Afinal, ouvimos vítimas, autores, testemunhas. Solicitamos exames, laudos, Boletins de Atendimento Médico. Depois elaboramos informação por escrito ao delegado, que por sua vez remete a papelada à justiça.
Isso acontece sim. Todos os dias e muitas vezes ao dia. Basta as autoridades repensarem o papel das polícias que seremos mais pró-ativos. E a PM também paga seu preço porque em muitas das vezes uma viatura é encaminhada ao local para levar as partes à DP, sendo que eles, policiais militares, também são envolvidos na ocorrência, onde um deles é ouvido como condutor-testemunha. Então encontram uma fila-monstro; aguardam uma, duas horas para serem atendidos e enquanto isso as ruas ficam sem patrulhamento. E a culpa recai sobre nós, policiais civis que, voltando ao assunto motivo deste blog, PERDEMOS TEMPO INVESTIGANDO OCORRÊNCIAS como as elencadas acima.
E não acabam por aqui...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Podemos ser (mais) úteis?

A fim de tentar minimizar o trauma de quem é roubado, o governo do estado isenta as vítimas do pagamento de Duda para a retirada de documentos emitidos pelo DETRAN, sejam eles pessoais - CNH e Identidade - ou os do veículo. Boa idéia. É louvável.
O crime de roubo é aquele em que o autor usa de violência ou grave ameaça. Ele pode estar armado com fuzil ou mesmo desarmado. É o caso de um faixa preta fortão com 20 anos que se aproxima de uma velhinha de 80 e manda que ela lhe entregue a bolsa senão a mata. Haveria como ela resistir?
Mas eu não quero fugir do assunto.
Aí a vítima vai até a DP onde é feito o RO e além deste documento ela leva um outro que a encaminha ao DETRAN isentando-lhe de pagar para retirar aqueles documentos. A ela mostramos álbuns fotográficos. Já ocorreu de outros criminosos serem reconhecidos nesses álbuns. É raro mas acontece. Encaminhamos também cópia da ocorrência ao Batalhão da área, ao IFP, ao próprio DETRAN, à DRFA...
Ocorre que a " benesse " também foi estendida a quem é furtado. Furto é quando, por exemplo, deixamos o carro ali na rua e vamos ao banco. Ao voltar não o encontramos mais e temos a certeza de que ele não foi rebocado.
O diabo é que em um país em que a população ganha tão pouco qualquer trocado que se economize é bem-vindo. Então " se eu perdi meus documentos tenho de pagar para ter as segundas vias porém se eu tivesse sido roubado ou furtado... Ei. Perae. Tive uma idéia!"
Os tímidos geralmente contam que foram furtados. Não sabem onde, nem como, nem quando " só sei que fui furtado " e sequer admitem a hipótese de terem perdido a carteira. " Não! Eu tenho absoluta certeza que alguém deve ter metido a mão no meu bolso ".
Já os mais saidinhos afirmam, geralmente sem olhar para a cara do policial que o está entrevistando, que " eram três e estavam armados" ou " eram negros, de roupa preta, em um carro preto ".
A experiência acaba fazendo com que percebamos que a " vítima " está faltando com a verdade. Mas vá o policial tentar desmascará-la ali na DP, na frente de todos. Seria muita insensibilidade. Fingimos que acreditamos e pronto. Mas há casos e casos, porém.
Disse tudo isso para poder vincular este post ao anterior onde perguntei ao cidadão se ele quando aciona a polícia - seja militar ou civil - está certo de que não resolveria seu problema de outra forma. Isso porque nestes casos dos Registros de Ocorrências Sociais também há, e muito, desperdício de nosso tempo que poderia ser utilizado na tentativa de se investigar o autor de estelionato, de saidinha de banco, de homicídio...
Nada tenho contra não cobrar taxa para emissão de documentos; pelo contrário. Penso que em nenhuma hipótese deveria sê-lo, mas já que é assim não existiria outro órgão estadual que pudesse emitir tais isenções? Temos mesmo que fazer ROs para isso?
Sugiro o seguinte: teve os documentos furtados? As atendentes das DPs fariam um Registro de Extravio de Documentos onde constaria que a pessoa se compromete a retornar à DP caso os documentos fossem utilizados de forma fraudulenta. Seria então feito um Registro por nós, policiais, para tentar se chegar ao autor. Ou seja, registar para investigar e não registrar para arquivar.
Não é difícil imaginar quantos Registros de Ocorrência deixariam de ser feitos e proporcionalmente quanto tempo a mais teríamos para investigar criminosos de verdade que tanto mal fazem à sociedade.
Seríamos mais úteis.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Há de se fazer uma escolha?

Dizem que ela existe pra ajudar
Dizem que ela existe pra proteger
Sei que ela pode te parar
Sei que ela pode te prender
Polícia para quem precisa
Polícia para quem precisa de polícia


É. Os Titans estão certos!

polícia sf 1 Conjunto das leis que asseguram a ordem pública. 2 A corporação incumbida de mantê-la. s 2g Policial.

policiar v 1 Vigiar, manter a ordem conforme os regulamentos policiais. 2 Conter; refrear.

Quando você cidadão pede socorro, seja através do 190 ou indo a uma Delegacia da Polícia Civil, está certo de que o passo que vai dar será mantido até o final ou o faz apenas para " dar um susto " no vizinho, cunhado, tio, pai, irmão, primo, ex-esposa/marido...?
Você tem consciência de que a polícia anda muito ocupada combatendo narcoterroristas, assaltantes, assassinos, estelionatários e que o seu pedido de ajuda pode estar impedindo que uma investigação digamos mais séria se dê, para atendê-lo?
Tem ceteza de que após acionar o estado através das polícias, hospital, perícia e justiça não vai aceitar um aperto de mão como pedido de desculpa, o que poderia ter conseguido se pessoalmente procurasse quem o xingou e aceitasse suas desculpas?
Refiro-me aos procedimentos que têm de ser tomados quando os crimes são de menor potencial ofensivo, de grande demanda nas DPs e que após investigação são remetidos para os Fóruns e que em sua maioria termina em aperto de mão ou um tapinha nas costas acompanhado de um pedido de desculpa.
Cito um exemplo em que uma senhora foi xingada por filho de moradora do condomínio em que era síndica. Dele, a queixosa só tinha a placa do carro e o primeiro nome. Iniciada a investigação - Injúria, demorei 45 dias para chegar ao autor, porque o veículo não estava em seu nome e foi preciso entrevistar quatro ex-proprietários do carro até que chegasse ao atual na época, que negou ter proferido tais xingamentos aproveitando-se de não ter restado testemunha. Fato é que mais de três meses depois o caso foi arquivado no primeiro encontro com o conciliador, tendo a vítima dito a mim que este a convenceu a esquecer a ofensa...
Talvez para ela alguma justiça tenha sido feita, haja vista ter incomodado a quem a ofendeu obrigando-o a ir ao Fórum. Mas para aquelas vítimas de estelionato, de roubo e de outros crimes mais graves que não obtiveram justiça porque, muito mais complexas, tais investigações demandam tempo, o que não temos justamente pelo elevado número de queixas como a da síndica, elas se sentem plenamente atendidas pela polícia? Claro que não! Então, cidadão, o que você prefere? Que tiremos de circulação criminosos de alta periculosidade ou que gastemos nosso tempo em investigações que serão arquivadas posteriormente em sua grande maioria?
Infelizmente não há policiais o suficiente para que todos mereçam nosso total empenho. Há de se fazer uma escolha...