sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Sobre uma saidinha de banco e nossa incompetência

Fato hipotético. Ou real.

Cliente entra no banco para sacar quatro mil reais. Fica espantado com o reduzido número de pessoas ali dentro; apenas quatro. Ele é o quarto e o único na fila. Vai ao caixa, efetua a retirada. Sai, atravessa uma praça, entra no carro e volta para casa. No caminho lembra dos conselhos dados por parentes policiais quanto aos cuidados que deve tomar e o tempo todo não desgruda os olhos dos retrovisores a fim de se certificar que não está sendo seguido. Estaciona na calçada e ao sair do carro nota a aproximação de dois homens em uma moto, vinda na direção contrária. Adivinhem. Aos costumes, o carona, arma em punho, diz " quero os 3 mil que você acabou de sacar e que está nesse bolso aqui " apalpando sua calça. Feito isso evadiram-se. Dois mil para cada em apenas cinco minutos.
Na DP, após ouvir seu relato perguntei se havia comentado com alguém sobre o saque tendo ele dito que não!
Esse é um caso diferente!
Fui ao chefe, contei-lhe o fato e disse que iria ao banco trazer o funcionário do caixa, apreender seu telefone celular e pedir a quebra de sigilo telefônico da agência, bem como o cd com as imagens do fato ocorrido uma hora antes.
Ao voltar para minha mesa para concluir o Registro de Ocorrência, continuei a entrevistar a vítima e dela ouvi o mesmo: " Inspetor, o senhor não bota isso aí não, mas na minha opinião o caixa está envolvido. Os caras sabiam até meu endereço".
O fato de uma viatura da polícia ir à agência tão logo tome ciência do ocorrido já daria um ar de seriedade, faria com que as pessoas notassem que " estamos correndo atrás, investigando ". Ao contrário, quando o cliente é roubado e vai à DP para fazer RO e de lá sai com o papel na mão sabendo que nada será feito de imediato, que nem ao local iremos, ele se pergunta: registrar para quê?
É isso que ocorre. Nada!
O chefe me respondeu: " Tá maluco? Trazer ninguém! Libera a vítima, envia um ofício ao banco solicitando cópia das imagens. Eles não entregam na hora. Precisam acionar um técnico que quando puder vai à agência, copia as imagens que nos interessa, passa para o jurídico, que após analisá-las nos remete. Isso pode demorar meses, até".
Ah, as polícias de primeiro mundo...
E ele está certo. Eu mesmo aguardo resposta de alguns ofícios há meses. Parece que não existe nenhum interesse a quem os remetemos em colaborar com a polícia. E pensar que a americana requisita por telefone informações que, no ato, são atendidas. Certa ocasião um detetive pediu à administradora de certo cartão de crédito informação sobre a última vez que o investigado havia usado o cartão tendo como resposta que em hotel tal, onde está hospedado agora. Que povo o americano!
Voltando ao caso, traria o caixa do banco em primeiro lugar porque ele foi o último a estar com a vítima se bem que particularmente nesta cocorrência eu o teria como o principal suspeito.
Mas trazer o funcionário não pode.
Se o intimássemos ele poderia se sentir acusado e mover ação contra o delegado, contra o estado.
Então para que estamos ali?
Será que esse funcionário vive de acordo com o que ganha?
Qual o seu carro?
Onde mora?
Como se veste?
Mas parece que ao policial civil lotado em distritais não é permitido pensar. Registrar é preciso; investigar não é.
Quanto às ocorrências de pequeno potencial ofensivo, a estas chegamos talvez a 95% de solução. Afinal não é assim tão difícil levar ( levar não, convidar pelo correio ) à DP o autor de uma injúria, de uma difamação, de uma calúnia, ameaça, lesão corporal leve, culposa... Nesses casos a própria vítima nos fornece seu nome e endereço...
É isso. É esse o motivo do blog.
Precisamos quebrar paradigmas, dar agilidade à ação policial, obrigar ( nem que seja ) as pessoas jurídicas a atenderem o quanto antes as requisições de informações. Precisamos prender bandidos. Eles precisam saber que estamos atentos e no seu encalço e que isso começa assim que tomamos ciência do cometimento do crime.
Apuramos todas as ocorrências pequenas e assim conseguimos mostrar serviço a uma pessoa; aquela que foi xingada ou ameaçada.
Apuramos cinco em cem ocorrências em que a sociedade inteira poder ser a vítima. Basta simplesmente trocar de prioridades.
Aliás, oficiei o banco " pedindo " ( por favor, assim que vocês puderem, pelo amor de deus ) cópia do cd com as imagens. Quando remeterem aviso aqui.
Aliás o que farei para identificar o dono do rosto? Somos quantos? 40 milhões de brasileiros homens com o perfil do autor?
Como deve ser bom ser policial de verdade!

8 comentários:

Paulo Ricardo Paúl disse...

Inspetor Paolo:
Inseri um link para o seu blog no meu blog pessoal.
http://celprpaul.blogspot.com/

Paulo Ricardo Paúl
Coronel de Polícia
Corregedor Interno

Anônimo disse...

Eu gosto da Polícia... mas eu não entrei para a Civil porque iria me entristecer muitíssimo.

Ass. Felipe

Anônimo disse...

Infelismente isso acontece tds dias em tds lugares da federação.´Para amenizar esse tipo de situação, como tantas outras que seguem o mesmo caminho, nossos governantes tem que respeitar, reconhecer e valorizar o serviço policial. Dar poder de polícia para a polícia, e a lei igual para todos... Enquanto não formos tratados com dignidade, isso continuará acontecendo. Principalmente com meios de trabalho, cursos e reciclagem e salários dignos. Muitos trabalham na polícia e fazem "bicos" pra complementar a renda; mas também muitos tem outro emprego e fazem "bicos" na polícia para ter um emprego com estabilidade e...
Ao que parece, não ha interese em melhorar os serviços essenciais da população, saúde, ensino, segurança pública.. o povo pode ficar esperto e se revoltar, ai nunca mais teremos os mesmos políticos!!!!
É triste, mas assim me parece a realidade...

Anônimo disse...

Parabéns Inspetor, por fazer uma análise tão clara acerca da realidade policial pelo Brasil afora...Com policiais como o Sr ainda é possível se confiar na Instituição...Continue assim, na VERDADE, para que a população possa ter acesso e refletir de forma correta sobre o serviço policial...

Anônimo disse...

Interessante o relato, são grandes as dificuldades encontradas por quem pretende cumprir bem o seu papel policial. Vale ressaltar o indício de envolvimento de fuincionários de banco nesse tipo de crime, no Brasil há precedente para tudo que parece improvável ou absurdo.
Adicionei seu blog entre os favoritos do que eu sou dono, esteja convidado http://www.blitzpolicial.blogspot.com

Luiz Alexandre disse...

Amigo. Precisamos nos unir. Chegou a hora que eu nunca pensei que chegaria.

Amanhã podemos nos encontrar??

PCERJ e PMERJ juntas. Mostrando para a população que sem os jeitinhos que temos que dar, nada funciona.

CHEGA!!

Juntos somos fortes. Nós dois. A minha e a sua instituição.

Anônimo disse...

O bom da blogsfera policial é sabermos que os problemas da polícia são iguais e pertinentes em todo o Brasil. Como saberíamos que os policial de distrito policial também é preterido nas investigações no Rio de Janeiro?

O problema das policias civis é geral. A luta é de todos.

Parabéns pelo blog. Já está linkado.

Anônimo disse...

Isso ocorreu comigo hj
a algumas horas atrás....